Projeto de lei cria Programa de Pedagogia Hospitalar em Aracaju
“Sobra dinheiro para trazer cantor de fora, fazer folia e a saúde fica para trás. A gente sofre muito com isso”, desabafa a doméstica Vânia Maria dos Santos, 54 anos, moradora do Bairro Olaria, zona oeste de Aracaju. Ela está ao lado do filho Vinícius, 14, internado no setor de Oncologia do Hospital de Urgências de Sergipe. As idas e vindas para a unidade de saúde são recorrentes desde 2016. Na luta contra o câncer, Vinícius, que já deveria estar no primeiro ano do ensino médio, ainda cursa o nono do fundamental 2. Após passar por um procedimento cirúrgico para amputar a perna esquerda, o estudante pode não retornar à escola tão cedo. “As aulas começam esta semana, ele precisa reaprender a caminhar e já não vai poder ir”, lamenta a mãe.
Essas histórias se repetem nos leitos de Aracaju. Mas o Projeto de Lei nº 101/2018, de autoria do vereador Lucas Aribé (PSB), é um alento para crianças, adolescentes e adultos matriculados na rede municipal, que estão hospitalizados em unidades conveniadas ao SUS e precisam continuar os estudos. Protocolado nesta quarta-feira, 28, o PL busca instituir o programa Pedagogia Hospitalar Humanizada na capital. A ideia é garantir o atendimento pedagógico educacional apoiado em atividades continuadas da escola de origem dos pacientes.
“Queremos que essas pessoas tenham o direito de continuar estudando. Para isso, de acordo com o projeto, o município precisará definir parâmetros para atender as necessidades do educando hospitalizado; oferecer suporte pedagógico e buscar alternativas para desenvolver as habilidades dos alunos, bem como promover a integração deles em suas atividades escolares”, afirma Aribé.
De acordo com o projeto de lei, o programa deve ser implementado por meio de uma parceria entre as secretarias municipais de Educação e Saúde de Aracaju. Em cada hospital participante deve haver pelo menos um pedagogo capacitado em programa educacional de inclusão do Ministério da Educação. Este educador desenvolverá atividades curriculares para os estudantes impossibilitados de frequentar a escola.
Internada no setor de Oncologia do HUSE há 11 dias, Yasmin Sabrina dos Santos Monteiro, 13, lamenta não poder participar das atividades escolares, enquanto lê para passar o tempo no hospital. “Sinto falta dos professores, dos alunos, dos meus amigos, de tudo. Fico pensando como serão as provas, se vou conseguir recuperar os assuntos e acompanhar meus colegas. Quero continuar na mesma turma”, diz.
Daí a importância da Pedagogia Hospitalar enquanto modalidade de educação que objetiva socializar o paciente em fase de escolarização, fazer a integração psicopedagógica e socioafetiva do estudante enfermo com a escola. O trabalho é feito por meio de ações lúdicas e pedagógicas que estimulam o aprendizado e ao mesmo tempo levantam a autoestima do paciente.
“A medicação é importante para a questão biológica, mas como fica a cognitiva e afetiva? No espaço não formal que é o hospital, o pedagogo fará a integração por meio de jogos, leituras, contação de histórias ou mesmo atividades escolares em parceria com profissionais da saúde. A pedagogia hospitalar fortalece o emocional e o processo de aprendizagem dos pacientes”, explica a professora Vanda Salmeron, psicopedagoga, mestre em Ciências Sociais e doutoranda em Educação.
Socialização
A depender da patologia, os pacientes podem passar muito tempo fora do contexto escolar. A pedagogia hospitalar serve não só para dar continuidade ao processo de aprendizagem, como fomentar momentos de descontração, humanização, cuidados não apenas com o aspecto físico, mas também emocional.
“É importante que esses pacientes possam se envolver em processos de aprendizagem, socialização, interação. Isso melhora o ânimo durante o internamento, processo difícil no qual a pessoa passa por procedimentos dolorosos, invasivos, fica numa condição muito passiva em relação às determinações médicas. As atividades pedagógicas fazem com que os pacientes se sintam importantes. Infelizmente, aqui em Sergipe nós não temos uma sistematização da pedagogia hospitalar, que requer uma equipe multidisciplinar. Além do psicólogo, fisioterapeuta, nutricionista, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, o pedagogo é mais um profissional que soma o seu conhecimento e talento para ajudar na recuperação da saúde das pessoas”, avalia Raquel Bezerra, psicóloga da Associação dos Voluntários a Serviço da Oncologia em Sergipe – Avosos.
“É preciso contextualizar esses pacientes na sua situação de vida. No caso da oncologia, por exemplo, muitas crianças têm que voltar ao hospital várias vezes para continuar o procedimento, durante meses ou anos, e perdem o contato com a aprendizagem. Por isso é importante termos espaços, nos hospitais, casas de apoio e outras instituições, que valorizem a educação, a cultura, a arte, para que pacientes tenham a possibilidade de desenvolvimento. Crianças, adolescentes e adultos também. Nós precisamos pensar no ser humano como alguém que está em constante desenvolvimento”, acrescenta Raquel.
Sem custos
Segundo a professora Vanda Salmeron, caso seja aprovado, o projeto de lei apresentado pelo vereador Lucas Aribé não representará custos para a Prefeitura de Aracaju. “O pedagogo hospitalar pode ser algum profissional que já trabalhe na rede municipal. Vários professores têm especialização na área ou cursaram a disciplina Pedagogia Hospitalar na graduação. Eles podem ser direcionados para as unidades de saúde. Além disso, é necessário um profissional responsável pelo projeto pedagógico. A partir daí, a equipe multidisciplinar já existente e que assiste ao paciente – assistente social, psicólogo, enfermeiro, entre outros – pode contratar estagiários, fazer parceria com universidades. Ganham os profissionais, os estagiários e, sobretudo, os pacientes”, sugere.
O PL nº 101/2018 será apreciado pelos vereadores de Aracaju e, se aprovado, seguirá para sanção ou veto do prefeito Edvaldo Nogueira. Enquanto isso, a dona de casa Ana Maria Rabelo Andrade, 53 anos, acompanha de perto o desejo da filha Ana Letícia, 15, de voltar a estudar. Ela está internada há um mês e oito dias no HUSE. “Letícia está muito debilitada, mas insiste em dizer que não vai conseguir passar este ano todo sem ir para a escola, porque gosta muito de estudar. Se ela voltar do meio do ano em diante, será que vai adiantar?”, questiona a mãe, preocupada.