Linda Brasil aponta a importância da laicidade e diz não ao retrocesso da intolerância religiosa

por Laila Batista, Assessoria de Imprensa do Parlamentar — publicado 28/10/2024 07h00, última modificação 28/10/2024 16h14

O Brasil vive uma crescente onda de intolerância religiosa, principalmente quando se trata de religiões de matrizes africanas. Segundo dados do Disque 100 – do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, 61% dos casos de violações de direitos são voltados aos adeptos das religiões de matriz africana, seguido dos espíritas com 18%.

Uma das raízes desses casos de violência e intolerância é o histórico escravocrata do país, e que ainda deixou resquícios, como o racismo estrutural, que contribui para a manutenção das desigualdades sociais. As religiões que fogem do que é considerado padrão no país majoritariamente cristão, são frequentemente violentadas, conforme apontam os dados fornecidos pelo Governo Federal.

Diante da preocupação com o aprofundamento dos casos de intolerância, e por considerar a importância de se assegurar o Estado Laico e a constituição que estabelece o respeito à todas as religiões, a vereadora Linda Brasil (PSOL), vem pautando discussões acerca do Projeto de Lei nº194/2021, que tramita na Câmara Municipal de Aracaju, que apesar de trazer em seu título a proposta de Liberdade Religiosa, na verdade, abre margem para que possam agir com intolerância e discriminação contra outras religiões e minorias, uma vez que propõe no artigo 2º que a “livre manifestação do pensamento ou opinião, bem como a divulgação de credo ou doutrina religiosa, não configura ato ilícito indenizável ou punível, ainda que confronte ou discorde do entendimento ou crença de outras religiões ou grupos da sociedade organizada.”.

Para o professor da UFS, do Núcleo de Graduação em Ciências da Religião e do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião, Alexandre Jesus dos Prazeres o Projeto apresenta problemas de ordenamento jurídico. “No art. 2º, onde há uma exigência a liberdade de “manifestar-se livremente”, percebe-se algo problemático, pois a liberdade religiosa, de expressão ou de pensamento deve ser exercida em conformidade com o ordenamento jurídico do país. Portanto, a liberdade não é liberdade para fazer o que se quer, ou sob pretexto de liberdade religiosa propagar discursos de ódio, de cunho racista, xenófobo, homofóbico ou que afeta a honra e a dignidade de terceiros”, observou.

A constituição brasileira e a atual legislação já asseguram que o estado é laico e que as pessoas tem liberdade religiosa. Que propósitos podem estar por trás de uma proposta, aparentemente bem intencionada? Não é possível a criação de um Projeto dessa natureza sem dialogar com grupos que sofrem violência e perseguição historicamente, abrindo espaço para que crenças e religiões possam em seus fundamentos expressar intolerância contra outros/as/es, claramente um retrocesso que tem alimentado graves violências ao longo dos anos, principalmente contra grupos mais vulneráveis como a população indígena, negros/as, LGBTQIA+ e outros.

Para o advogado Douglas Costa, presidente da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB/SE, esse Projeto não tem funcionalidade, uma vez que a constituição já garante essa liberdade religiosa. Além disso, não é admissível uma produção verticalizada de uma legislação que vai impactar a vida das pessoas.

“É um Projeto de Lei para dizer o óbvio, o que já está dito. Porque nós temos na Constituição Federal a Liberdade de Culto, a Liberdade de Imprensa, no artigo 5º. Então ao meu ver ele já nasce viciado, porque ele usurpa uma competência legislativa da União. Me leva a reflexão sobre quais as motivações para a criação de um Projeto de Lei sobre o que já está assegurado na nossa Constituição”, afirmou o presidente.

Assim como Douglas, outros juristas já afirmaram que o município não tem competência para legislar sobre tal matéria. A Lei conforme está formulada, apesar de passar a ideia de que quer legitimar o que já existe, acaba ferindo outras instâncias legislativas e normativas, uma vez que atinge normas de hierarquias maiores ao entrar em temas como educação, comunicação e o estabelecimento de multas. Assim o projeto fere, inclusive, a Lei Orgânica de Aracaju, a Constituição do Estado de Sergipe, a Constituição Federal Brasileira e Tratados e Convenções Internacionais, bem como interpretações do Supremo Tribunal Federal (STF), dos Tribunais de Contas e do Ministério Público de Contas, sem falar nas atribuições do Conselho Municipal de Educação de Aracaju.

O projeto tem pelo menos três graves problemas: violação da laicidade estatal; fere a competência exclusiva da União – PL que institui normas gerais e violação da discricionariedade da administração pública.

O PL, ao dispor sobre diretrizes gerais de Liberdade Religiosa, está a querer tutelar o funcionamento do estado por meio de uma concepção religiosa.

O PL também adentra em questões de âmbito educacional, de competência de órgãos específicos e regidos pela LDB e LDBEN ((Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Movimentos Sociais, sindicatos, Conselhos de Direito, se manisfestaram através de notas públicas exigindo que o PL não seja sancionado em respeito à diversidade religiosa, a laicidade, a autonomia dos órgãos que tem a competência para tratar da legislação educacional no município.

Além dos problemas apontados, o PL ainda sugere a liberdade do uso midiático para propagação religiosa, sabendo que atualmente no pais, alguns grupos religiosos dominam veículos de comunicação, pelo menos 9 meios, dos 50 veículos de maior audiência, são em sua maioria de origem evangélica. Ainda, segundo pesquisa da Agência Nacional de Cinema (Ancine), 21% do total da programação das televisões abertas são de conteúdo religioso. O Coletivo Intervozes tem produzido e pesquisado sobre os impactos negativos do uso e proliferação de determinados grupos na mídia brasileira.

A televisão com espaço informativo e educativo cumpre um importante papel na formação do pensamento de milhares de cidadãos, principalmente de jovens e crianças, assim sendo, ao defender o uso e difusão religiosa através dos meios de comunicação, e sabendo que as religiões mais perseguidas no país não tem o mesmo acesso e vantagens econômicas, o PL fortalece a continuidade de um processo de exclusão que as populações afroreligiosas já sofrem em seu cotidiano.

Para a deputada estadual do Rio de Janeiro, Mônica Francisco (PSOL), evangélica, vice-presidente da Comissão de Combate às Discriminações e Preconceito de Raça, Cor, Etnia, Religião e Procedência Nacional e integrante da CPI de Intolerância Religiosa da Alerj, é preciso estar atentas/os às tentativas de demonização das religiões de matrizes africanas, que consequentemente é uma forma de perseguição ao povo negro.

“Aqui no Brasil, há uma tentativa de continuidade do projeto eugenista que deu errado, por meio da atualização dos processos de opressão e demonização do corpo negro. É um projeto das elites que perseguem as culturas”, ressaltou a deputada estadual Mônica Francisco (PSOL).

A psicóloga e Iyalorixá Jouse Zuzarte, também acrescentou a importância do debate público na formulação de legislações que tratem da diversidade religiosa, respeitando assim aqueles e aquelas que serão diretamente atingidas/os pela legislação.

“Debater o PL da Liberdade Religiosa é um dever ético e, enquanto liderança de terreiro, é um dever responder o convite a esse debate, pois quando não há debate público, a sociedade fica à mercê de um controle social”, refletiu Iyá Jouse Zuzarte.

Para Linda, é fundamental que haja discussão e mobilização para barrar qualquer tentativa de cerceamento da liberdade religiosa e de fundamentalismo religioso. 

Garantir a liberdade religiosa verdadeiramente é não usá-la como pretexto para permitir uma “liberdade” que se concretize em uma opressão moral e psicológica, que reforce preconceitos e discursos de ódio que incitem discriminação, hostilidade ou violência contra pessoas e grupos humanos”, destacou.