Audiência Pública discute tarifa e qualidade do transporte público da Grande Aracaju

por George W. Silva, Assessor de Imprensa do parlamentar — publicado 30/11/2018 17h15, última modificação 30/11/2018 17h15
Audiência Pública discute tarifa e qualidade do transporte público da Grande Aracaju

Foto: Heribaldo Martins

Por iniciativa do vereador Iran Barbosa, do PT, a Câmara Municipal de Aracaju debateu, na tarde da quinta-feira, 29, em Audiência Pública, a tarifa do transporte coletivo da Capital e Região Metropolitana, em função do pedido de aumento do valor da passagem, dos atuais R$ 3,50 para R$ 4,44, já formulado pelo Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Aracaju (Setransp) à Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT).

Discutiram o tema Luís Moura, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômico (Dieese) em Sergipe; Waldson Costa, militante da ONG Associação Ciclo Urbano; e Demétrio Varjão, advogado e militante do “Movimento Não Pago”. Também convidados, o Setransp e a SMTT justificaram ausências, entretanto, não enviaram representantes.

“Lamentamos as ausências de representantes do Sindicato das Empresas de ônibus e da Superintendência de Transporte, já que, hoje, está restrita a essas duas entidades a definição do valor da tarifa. A presença deles seria muito importante, já que, infelizmente, a Câmara Municipal decidiu modificar a Lei Orgânica e abrir mão de interferir diretamente na definição final do valor da tarifa das passagens dos coletivos. Mas vamos continuar defendendo que esse debate passe por aqui”, enfatizou Iran Barbosa.

“Entendo que é fundamental discutir com os usuários a pertinência desse aumento de 27 por cento pleiteado pelo Setransp que considero absurdo, exorbitantemente acima da inflação. Não se pode deixar essa decisão, que tem rebatimento direto na vida dos aracajuanos, apenas entre a Prefeitura e os empresários do transporte. Isso é antidemocrático e injusto com quem verdadeiramente sustenta o sistema no dia a dia. A nossa parte estamos cumprindo, que é abrir espaço para esse debate, como fizemos nos anos anteriores”, afirmou o parlamentar.

Planilha de custos

Para o economista Luís Moura, o debate sobre a qualidade do transporte coletivo da Grande Aracaju e o valor da tarifa é muito importante porque diz respeito à mobilidade urbana, que interfere diretamente na vida das famílias e da população, em especial dos trabalhadores formais e informais e dos estudantes. Moura também lamentou a ausência de representantes da SMTT e do Setransp na audiência.

O economista do Dieese destacou a pouca transparência que se dá à planilha do cálculo tarifário de custos do transporte, que é apresentada pelas empresas para justificar o aumento da tarifa, apontando que ela apresenta fragilidade e incongruência nos dados e não reflete, com precisão, o custo real do transporte coletivo por quilômetro.

“Um grande problema dessa planilha é que ela joga contra a manutenção do próprio sistema de transporte coletivo, porque na medida em que ela aponta para um aumento do preço da tarifa, ela cada vez mais tira pessoas do sistema, principalmente os trabalhadores informais, que vão recorrer a outras alternativas de transporte. E menos passageiro por quilômetro rodado alimenta mais possibilidades de aumento da tarifa, criando um ciclo vicioso”, argumentou.

Moura também chamou a atenção para a abrangência apenas local. Para ele, apesar de a planilha de custos ser fruto de uma Lei Municipal de Aracaju, ela não mais se encaixa na realidade geográfica e demográfica, já que o transporte coletivo atende a uma Região Metropolitana e, portanto, deve envolver também os municípios de Socorro, São Cristóvão e Barra dos Coqueiros.

“Então, faz sentido que esse debate passe pela Assembleia Legislativa. Como o vereador Iran Barbosa foi eleito deputado estadual, é importante que ele leve essa pauta pra lá, a partir do ano que vem, e envolva os demais municípios na discussão”, sugeriu.

Transportes alternativos

De acordo com Waldson Costa, da ONG Ciclo Urbano, de fato o aumento do valor da tarifa dos coletivos da Grande Aracaju tem rebatimento direto no crescimento do uso de outros meios de transporte que não o ônibus urbano; entre esses meios, está o uso da bicicleta, que passa a ser o único meio de ir e vir para muitos trabalhadores, em especial da construção civil, e até de famílias inteiras, como já foi detectado em estudo realizado por sua ONG.

Para Waldson, é preciso um debate mais sério, por parte da Administração Municipal, em relação à qualidade e eficiência do transporte coletivo ofertado aos aracajuanos, por ser o meio mais importante de locomoção em massa da população.

“Esse transporte tem que ser tratado como prioridade, mas, infelizmente, muito pouco tem sido feito para melhorá-lo. A própria malha viária é muito injusta com esse sistema, no sentido de ausência de prioridade para os coletivos. O que foi feito nos últimos dez anos, em grande parte, favorece os meios de transporte individuais, e continua se fazendo investimentos caros para melhorar a circulação desses meios, em detrimento do transporte público coletivo, com enorme custo social porque impacta na vida de pessoas que dependem exclusivamente do ônibus para se locomover, a exemplo das pessoas que vivem no entorno da Capital mas aqui trabalham”, apontou.

Para ele, a não realização de licitação pública, que poderia trazer empresas de ônibus mais eficientes, com frota mais moderna e também reduzir a tarifa, emperra a melhoria de todo o sistema de transporte coletivo e está favorecendo o que chamou de “uberização” do transporte de massa.

“Não é algo exclusivo de Aracaju, mas das grandes cidades brasileiras. Hoje, sai mais barato quatro pessoas pegarem um Uber ou um táxi lotação do que cada um pagar uma passagem de ônibus. Ou seja, há uma inversão de ordem. Táxi não é transporte de massa, esse não é seu objetivo, e isso também acaba incentivando o aumento do transporte clandestino”, relatou.

Ainda de acordo com Waldson Costa, os movimentos sociais têm papel importante em manter ativo a luta por transporte público de qualidade e com tarifa que permita a universalização do seu uso. Ele também defendeu o uso da bicicleta como transporte, inserido dentro de um sistema intermodal, onde o usuário poderia sair da sua sua casa até um terminal de integração de ônibus, deixar com segurança a sua bicicleta no local (ou até levá-la dentro do coletivo, a depender do horário), se deslocar para as suas atividades e, no fim do dia, fazer o caminho inverso.

“A bicicleta não é um meio de transporte de massa, ela é individual ou no máximo para duas pessoas. Mas dentro de um sistema inteligente, ela deve estar inserida também. E, para isso, precisamos de um transporte público eficiente e baseado na intermodalidade”, defendeu.

Recorte de raça e classe

O advogado e militante do “Movimento Não Pago”, Demétrio Varjão, defendeu que é preciso ampliar a discussão acerca do transporte público, inserindo o recorte de raça e de classe. Para ele, mesmo aqueles que podem pagar a tarifa de ônibus urbano são praticamente abandonados pelo sistema e pelo Poder Público.

“São muitas as denúncias que recebemos de pessoas que são praticamente largadas, depois do trabalho, altas horas da noite, em terminais e pontos de ônibus precários e sem a mínima segurança. E quem são essas pessoas? Em sua maioria, trabalhadores, negros e pobres. Essa é uma questão muito sensível e que vai até além do valor da tarifa”, disse, apontando, ainda, o problema dos assédios e violência a mulheres e LGBT's dentro dos ônibus.

Demétrio não vê fundamentação que justifique qualquer aumento na tarifa dos coletivos da Grande Aracaju. Segundo ele, o Movimento “Não Pago” solicitou à SMTT a planilha de custos das empresas há 29 dias e até agora não obteve resposta.

“A primeira palavra de ordem que precisamos defender é que não pode haver aumento da tarifa enquanto não houver publicidade dessa planilha, lembrando que a sociedade perdeu bastante com a retirada da discussão sobre a tarifa da Câmara de Vereadores”, destacou.

Para ele, Aracaju figura entre as piores cidades no quesito transporte público, onde os usuários sequer têm direito à meia-passagem aos domingos, como acontece em capitais como Salvador e outras.

“E quando a Câmara aprovou esse direito, o prefeito Edvaldo Nogueira vetou. A Câmara derrubou o veto e a Prefeitura, através de medida judicial, continua protelando esse direito aos aracajuanos. Isso está na conta da gestão Edvaldo Nogueira”, ressaltou, criticando a relação umbilical entre o prefeito e o Setransp, a ponto de fechar com o sindicato das empresas de ônibus apoio para financiar o réveillon da Capital.

O militante do “Não Pago” defendeu, apesar da repressão que vem acontecendo contra os movimentos sociais, mais mobilização popular para tentar reverter o cenário de retirada de direitos da população e crescente aumento da tarifa, sem qualquer melhora no sistema de transporte.

“A partir dessa iniciativa do vereador Iran Barbosa, que provocou essa audiência pública, precisamos nos organizar e nos articular para esses enfrentamentos e, acima de tudo, estimular que as comunidades periféricas, a juventude e a população negra se apropriem dessa luta e passe a construí-la também. Para isso, o ‘Não Pago’ sugere a realização de audiências públicas sobre a tarifa e o transporte público nas comunidades”, colocou Demétrio.

Encaminhamentos

Como encaminhamentos, o vereador Iran Barbosa assumiu o compromisso de apresentar uma Moção de Apelo e uma Indicação para que a Administração Municipal, através da SMTT, vá às comunidades dialogar sobre o transporte público da Capital; como também um Requerimento de Informações, também à SMTT, para que repasse detalhes sobre a cobrança de 2%, pelo Setransp, em cima de cada recarga do cartão ‘Mais Aracaju’, denunciado pelos movimentos sociais presentes; e uma Moção de Apelo ao prefeito Edvaldo Nogueira, para que não aprove qualquer reajuste da tarifa antes de dar publicidade à planilha de custos do transporte coletivo e de debater com a população as justificativas.

“A gestão municipal de Aracaju tem defendido o mote da ‘cidade inteligente’. Entendo que o conceito de cidade inteligente passa pelo uso de aplicativos e tecnologias novas, mas passa, sobretudo, pela compreensão de cidade humana, a serviço das pessoas que vivem nela e que se deslocam por ela. Neste sentido, o debate sobre transporte coletivo e mobilidades urbana é central e essa audiência pública contribuiu muito para que colhêssemos elementos que nos ajudarão muito nesse debate”, enfatizou Iran Barbosa.

Contribuíram, ainda, com a discussão, os vereadores Lucas Aribé e Elber Batalha, ambos do PSB; Américo de Deus (Rede); representantes do deputado federal João Daniel (PT), da deputada estadual Ana Lúcia (PT), das vereadoras Kitty Lima (Rede) e Emília Corrêa (Patriota); o ex-vereador Adriano Taxista; além de representantes da OAB/SE, Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Juventude do PT, Juventude do PCB, Sindicato dos Taxistas de Sergipe (Sintaxi), Sindicato dos Domésticos e das Domésticas de Sergipe (Sindoméstico) e Levante Popular da Juventude.