Audiência Pública debate "Escola Sem Partido" em Aracaju

por George W. Silva, Assessoria de Imprensa do parlamentar — publicado 20/09/2017 14h05, última modificação 20/09/2017 17h24
Audiência Pública debate "Escola Sem Partido" em Aracaju

Heribaldo Martins

Por iniciativa do Vereador e Professor Iran Barbosa (PT), a Câmara Municipal de Aracaju (CMA) debateu, na tarde da terça-feira, 19, em Audiência Pública, o Projeto de Lei 235/2017, que tramita na Casa e dispõe sobre a instituição do Programa Direito de Aprender, mais conhecido como “Escola Sem Partido”, no âmbito do Sistema de Ensino do Município de Aracaju.


Foram convidados a debater o tema Maíra Helena Cerqueira Nascimento, pela Secretaria Municipal de Educação (SEMED); Adelmo Meneses Santos, presidente do Sindipema; Ivonete Alves Cruz Almeida, secretária de Política Sociais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE); Lizandra Dawanny, presidente da União Sergipana dos Estudantes Secundaristas (USES); Sônia Meire Santos Azevedo, chefe do Departamento de Educação da Universidade Federal de Sergipe (DED/UFS); Maria José Guimarães Vieira, presidente do Conselho Municipal de Educação de Aracaju (CONMEA); e a Vereadora autora do PL, Emília Corrêa (PEN).

Para Iran Barbosa, o debate se torna necessário a partir do momento em que o Projeto em questão engloba interesses que estão, inclusive, sendo debatidos nacionalmente e que já tem decisões judiciais contrárias ao seu conteúdo, exigindo não só um amplo debate nas Comissões como também com a sociedade pelo impacto que ele pode vir a ter no âmbito das escolas e do ensino da Capital. “Este Projeto está no início da sua tramitação aqui na Casa e, na condição de Presidente da Comissão de Educação, Cultura e Esportes da Câmara, terei uma tarefa a cumprir, junto com os demais membros, no processo de tramitação. Portanto, achei por bem buscar realizar este debate coletivo porque se trata de um Projeto que tenta regulamentar um Programa no ensino público de Aracaju e, como sabemos, ele envolve um debate muito mais profundo, que está posto nacionalmente, sobre a chamada Escola Sem Partido. Pela complexidade do tema, é importante ouvirmos o que têm a dizer as entidades aqui presentes e a autora do Projeto”, explicou.

O parlamentar já apontou que tem o entendimento técnico de que o PL 235/2017 não pode prosperar por afrontar o que estabelecem a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB – de 1996. “A nossa Constituição é enfática ao delimitar que é competência exclusiva da União legislar sobre diretrizes da educação nacional, e a União fez isso quando aprovou a LDB. Não foi atribuída aos municípios a prerrogativa de legislar sobre isso, mas apenas de complementar com leis onde há vazios. E tanto a Constituição como a LDB definem o princípio da liberdade de ensinar. O caráter legiferante sobre isso já está colocado e não cabe a nenhum município legislar de forma divergente daquilo que a Constituição e a LDB estabelecem. Esse é um dos entendimentos de caráter técnico que tenho sobre este Projeto”, reforçou o parlamentar e professor.

Semed

Primeira a falar, a coordenadora de Políticas Educacionais para a Diversidade da SEMED, Maíra Helena Cerqueira Nascimento, pontuou a posição da Secretaria em relação à proposta da Escola Sem Partido. Para ela, a proposta levanta uma tese de que os estudantes seriam seres completamente “vazios” e que os professores teriam o poder de preencher esse vazio com o conteúdo ideológico e religioso que quiserem. “Como professora, posso afirmar que é um grande erro acreditar que o estudante é uma folha em branco, incapaz de formar juízo sobre o mundo a partir de experiências, referências e saberes que traz consigo. Cada estudante chega à escola com sua história, aprendizado, religião, cultura familiar. O que a escola faz é ensinar a refletir, a duvidar, a perguntar, a querer saber mais”, refletiu.

“A escola deve sim assumir um partido, mas não um partido traduzido em siglas, números ou símbolos de cunho partidário. A escola brasileira, seja ela pública ou privada, deve assumir o partido da defesa da nossa Constituição Cidadã; a escola brasileira deve assumir o partido do direito ao contraditório, da vinculação dos saberes acadêmicos e das práticas sociais, da pluralidade de concepções de mundo, enfim, do diálogo democrático. É essa a escola que as nossas crianças e jovens devem ter, garantindo a eles o direito à aprendizagem”, defendeu a coordenadora da SEMED.

Sindicato e Confederação

Para o presidente do Sindipema, Professor Adelmo Meneses, o Projeto e o seu conteúdo precisam realmente ser debatidos de forma ampla, no Parlamento e nas escolas. O sindicalista colocou a sua posição contrária à proposta e solicitou a sua reprovação na Casa. “Um Projeto de Lei municipal que quer delimitar qual o papel do professor em sala da aula? O papel do professor já está definido na Constituição Federal, na LDB e em legislações específicas, como o Estatuto do Magistério e o nosso Plano de Carreira”, apontou.

Adelmo acrescentou, ainda, que a categoria, organizada, não permitirá que propostas que querem regular, de forma arbitrária, como o professor deve ministrar o seu conteúdo e se portar em sala de aula prosperem. “Vamos lutar, como fizemos contra outros retrocessos que enfrentamos. Esse projeto da "Escola Sem Partido" que querem implementar tem seu objetivo, e nós sabemos muito bem qual é. Nós não vamos aceitar esse tipo de projeto e vamos levar esse debate também para o chão da escola”, disse.

A Professora Ivonete Cruz, que também preside o SINTESE, falando pela CNTE, lembrou que é preciso pensar a escola como um espaço de construção plural onde convivem pessoas de diferentes matrizes ideológicas. Para ela, uma escola formada de humanos não pode ter o engessamento da troca de ideias e viveres. “A "Escola Sem Partido" se pretende neutra. Mas escola é feita de gente, de pessoas que têm opiniões e visões diferentes de mundo, que precisam refletir e opinar. Escola não é um espaço frio, de máquinas desprovidas de ideias e de pluralidades. Neste sentido, a escola não pode ser neutra, como querem os que apoiam a ideia da "Escola Sem Partido”, apontou.

“Na condição de professora da rede pública há 28 anos, dos quais 25 como professora de História, fico a me imaginar como mera expositora de conteúdo, sem que me seja permitido, em nenhum momento, junto com os estudantes, fazer análise crítica dos fatos históricos e, a partir daí, levá-los a compreender melhor o mundo. O documento da "Escola Sem Partido" fala muito em liberdade, mas se esquece que é a partir da liberdade de estudar as diversas análises de mundo que garantem ao estudante optar por qual caminho seguir”, refletiu Ivonete.

Ainda segundo a dirigente sindical, a "Escola Sem Partido" é de pensamento único, flerta com o fascismo, a intolerância e o preconceito e não pode ser admitida em um país que se quer livre e democrático. “Nós, educadores e educadoras, lutamos por uma escola que seja espaço de pensamentos múltiplos, que forme sujeitos que pensam e tenham a capacidade de refletir; onde a juventude possa encontrar um espaço em que possa refletir, criticar, formular e ler o mundo a partir das várias concepções existentes e, a partir daí, seguir o caminho que ele quiser, tendo a liberdade de escolha e de pensamento. É essa a escola que queremos”, afirmou, reforçando o posicionamento da CNTE contra o projeto nacional da "Escola Sem Partido".

Movimento Estudantil

Lizandra Dawanny, Presidente da USES, criticou o Projeto por estar sendo imposto “de cima para baixo”, lembrou que ele marginaliza os educadores e destacou que a educação não pode ser meramente para a formação de mão de obra para o mercado de trabalho. “Não queremos uma educação que forme pessoas apenas para apertar parafusos. Estamos em 2017 e esse Projeto ainda não foi nem colocado em prática, mas imaginem as jaulas que se tornarão as nossas salas de aula se ele for aprovado e consolidado. Este projeto é inaceitável e não foi sequer discutido com os estudantes e os professores, que podem até ser presos pelo que falar aos estudantes em sala de aula”, lamentou.

Ainda segundo Dawanny, o Projeto, se prosperar, vai tirar a liberdade do professor de ensinar e dos estudantes de pensar e aprender com os múltiplos pensamentos. “Esse projeto vem na contramão dos avanços que conseguimos nos últimos 13 anos e, na verdade, trata-se de uma 'lei da mordaça', porque pretende nos censurar. Nós, estudantes secundaristas, não vamos aceitar”, afirmou a líder estudantil.

Departamento de Educação da UFS

A Professora Doutora Sônia Meire, do DED/UFS, destacou, diante da ideia de impedimento à doutrinação marxista ou de esquerda imposta pela proposta da "Escola Sem Partido", que grandes filósofos e pensadores mundiais que fundaram as bases para a educação ocidental nem eram socialistas, marxistas ou comunistas, citando Jean-Jacques Rousseau, Emmanuel Kant e Gaston Bachelard. Sônia colocou que por trás do Projeto da "Escola Sem Partido" estão os ditames do Banco Mundial. “A educação ditada pelo Banco Mundial, da infância à universidade, todos nós sabemos, não é uma educação que emancipa o cidadão, que emancipa a sociedade. É isso o que defende a "Escola Sem Partido”, afirmou, defendendo uma escola que trabalhe, de forma livre e construída a partir da comunidade escolar, a formulação do conhecimento científico emancipador.

“O conhecimento científico não é neutro, e por não ser neutro, ele passa por rupturas epistemológicas e deve estar a serviço da interpretação da realidade em que se vive e da transformação dessa realidade, dentro das condições sócio-históricas em que vivemos. Sem isso, esse conhecimento será apenas uma abstração da realidade e não formará ninguém”, explicou.

Para a professora, a proposta da "Escola Sem Partido" ataca frontalmente a educação pública e perpassa pelo projeto da burguesia brasileira de não permitir aos filhos e filhas dos trabalhadores e aos excluídos do sistema uma escola que forme cidadãos capazes de ter autonomia, liberdade para pensar e projetar o futuro. “Portanto, nós, que defendemos a escola e a universidade públicas com autonomia, devemos exigir que esse projeto seja retirado de pauta nesta Casa e precisamos continuar fazendo a luta e defender o que está na LDB e na Constituição Federal, que são desprezadas por este projeto”, enfatizou Sônia Meire.

Conselho Municipal de Educação

A presidente do Conselho Municipal de Educação de Aracaju, Professora Maria José Guimarães Vieira, expôs que, diante do conteúdo do Projeto 235/2017 e do que deve ser considerado em um programa ou projeto que assegure a formação plena do sujeito, de acordo com as legislações nacionais e internacionais das quais o Brasil é signatário, o CONMEA compreende que “para possibilitar o desenvolvimento do estudante, sua capacitação para o trabalho, pautada na autonomia e igualdade individual, que por sua vez só podem ser atingidas com exposição às diferentes concepções em circulação na sociedade, a escola deve respeitar as diferentes posições e situações sociais e jamais praticar o 'dogmatismo' de qualquer natureza, assim como deverá combater toda forma de discriminação”.

“A escola deverá ser uma comunidade de aprendizado e de vivência dos direitos humanos e da democracia”, apontou.

A Vereadora Emília Corrêa (PEN), autora da propositura, apontou os detalhes do Projeto que apresentou – por sugestão do Movimento Brasil Livre – e em afirmar que ele não fere a Constituição e que preserva a 'liberdade de cátedra' do professor. “Não queremos amordaçar, sob hipótese alguma, os professores; mas que o docente exponha as suas convicções e pontos de vista ideológicos sobre os conteúdos programáticos de ensino sem a vinculação a preferências política, partidária e religiosa”, defendeu.

“Estou longe de ser dona da verdade absoluta e nem vim aqui impor nada. Posso até estar errada, mas o meu entendimento é que este Projeto não é o da "Escola Sem Partido", mas um programa, que chamei de Direito de Aprender, e ele não mexe na liberdade de cátedra do professor”, reforçou a vereadora.

Também contribuíram com o debate a Deputada Estadual Ana Lúcia (PT); o Professor Doutor Wanderley Geraldi; além de professores, estudantes, representantes de vereadores, de órgãos de governo, do movimento social, do movimento sindical, de partidos políticos e de movimentos conservadores.