“O caminho da mulher negra é regrado a sangue e suor.” A fala é da protagonista da peça teatral “A Elza que vi”, que está em cartaz, homenageando a cantora Elza Soares.
Ao fundo do palco, painéis com o rosto de Elza Soares compõe o cenário, matizados em tonalidades diversas a cada instante, pela profusão intercalada de cores dos holofotes que iluminam a cena. À frente do tablado, 17 alunos da Escola Estadual Nelson Mandela revisitam a vida de Elza, destacando as glórias da carreira da cantora e dramas da vida pessoal, como a perda de quatro filhos.
Quando as luzes do palco se tornam neutras, a cor da pele da cantora compartilha com a maioria dos atores no palco questões socais vivenciadas por pessoas de pele negra. Ícone da Música Popular Brasileira; mulher negra e uma das pioneiras a trazer à tona temas como igualdade racial, preconceito e desigualdades sociais por meio da arte, Elza tem se tornado referência para esses jovens, que em alguns casos, até pouco tempo desconheciam a obra da cantora.
Os alunos integram o grupo ParlaCênico de Teatro, inserido nas atividades do projeto ‘Alma Africana: reconhecendo as diferenças, esperançando a equidade’, que é protagonizado por estudantes, ex-estudantes e professores da rede estadual.
O projeto está sendo realizado no Centro de Excelência Nelson Mandela, em Aracaju, e tem como coordenadores as professoras Gilmara de Souza Neto, Adalcy Costa dos Santos e o seu fundador, o professor Evanilson Tavares de França.
“Elza é como uma estrela que está sempre em evidência, essa coisa grandiosa”, justifica Evanilson, sobre a escolha de Elza como tema para peça.
“O grupo de teatro faz parte de um projeto maior que é o Alma Africana, que está vinculado à Lei 10. 639, que obriga as escolas a trabalharem com a história e cultura africana e afro-brasileira. Esse projeto é de 2005, o parlacênico passa a integrar esse projeto em 2009. De lá para cá, já montamos 12 espetáculos. Este ano, queríamos homenagear uma mulher negra, alguns nomes vieram à cabeça, mas Elza surge de forma explosiva e contagia todo mundo. Os meninos e as meninas, a maioria deles, nem conhecia a obra de Elza, mas mergulharam de cabeça e pesquisaram sobre a vida da artista”.
A maioria dos alunos subiu ao palco pela primeira vez. Evanilson reforça, ainda, que além dos 17 alunos que integraram o elenco, mais 8 colaboraram na parte técnica, em áreas como iluminação e sonoplastia. O professor destaca o projeto dentro do processo educacional dos estudantes.
“A escola tem historicamente o olhar para o aluno como se fosse uma fotografia 3x4. Só vê a dimensão cognitiva. O teatro quebra isso. Não é possível fazer teatro sem corpo inteiro, sem a conjugação de espiritualidade, de corpo e memória, de vivências e experiências; além de ser uma arte dialógica, pelo teatro eu trago a música, a dança, a pintura através do cenário”.
A estudante do ensino médio da escola Nelson Mandela, Ana Preta, é uma das intérpretes da artista no espetáculo “A Elza que vi”. É a primeira vez que a jovem sobe aos palcos. Ana destaca a força de Elza e diz que a artista passou a ser uma inspiração.
“É um momento muito lindo, ela é uma mulher forte que defendia a bandeira LGBT, que defendia a bandeira da negritude. É uma mulher poderosa e interpretando ela, eu também me sinto poderosa. Tenho certeza de que todo o elenco se sente poderoso. É ótimo estar interpretando-a porque eu não a conhecia, então é uma oportunidade muito rica de aprendizado e conscientização sobre a luta negra”. O espetáculo conta com quatro atrizes dando vida à cantora.
Projeto ParlaCênico
Protagonizado por estudantes da rede estadual de ensino, integrantes do Grupo ParlaCênico de Teatro, o espetáculo ‘A Elza que vi’ estreou suas apresentações no dia 5 de novembro. A peça homenageia a vida e trajetória da cantora brasileira Elza Soares, já considerada ‘a voz do milênio’ pela BBC de Londres. No dia 19 de novembro, o público ainda terá a oportunidade de assistir as últimas sessões do espetáculo às 9h30, 14h30 e 20h, também no Teatro Atheneu.
Carreira de Elza
Elza nasceu no dia 23 de junho de 1930, no Rio de Janeiro. De família humilde, cresceu morando em um cortiço no bairro Água Santa, na capital carioca. Foram 91 anos de vida e 71 de carreira. Em 1953 Elza Soares iniciou sua vida artística ao fazer o seu primeiro teste na Rádio Tupi, no programa de calouros de Ary Barroso, quando conquistou o primeiro lugar.
No início da carreira, também trabalhou na Orquestra Garam Bailes, como crooner, até 1954. Já na década de 60, Elza Soares participou de outro concurso musical no rádio, e venceu novamente. Dessa vez, ela ganhou um contrato fixo para se apresentar semanalmente. Em 2000, Elza Soares recebeu da BBC Londres o título de Melhor Cantora do Milênio. Naquela época, ela já tinha mais de 40 anos de carreira e uma longa lista de sucessos.
Cada vez mais empoderada e consciente de sua grandeza, Elza seguiu a trajetória com grandes parcerias e um sucesso crescente, retratando em canções temas como preconceito racial, homofobia e lutas sociais. Em 2015, ela gravou o álbum ‘A Mulher do Fim do Mundo’, o primeiro de sua carreira a conter só músicas inéditas. A cantora faleceu no dia 20 de janeiro de 2022.