“O Brasil é multifacetado, mas tem uma cultura originária e que não pode ser esquecida”, explica Itamar Peregrino

por Camila Farias - Agência CMA — publicado 19/04/2024 14h35, última modificação 19/04/2024 14h35
Nesta sexta-feira (19/04), é o Dia Nacional dos Povos Indígenas, e a Câmara de Vereadores preparou uma reportagem especial sobre o tema.
“O Brasil é multifacetado, mas tem uma cultura originária e que não pode ser esquecida”, explica Itamar Peregrino

Foto: Débora Melo

Celebrado neste dia (19/04), o Dia Nacional dos Povos Indígenas é uma data voltada para valorizar a cultura dos povos originários do Brasil e refletir sobre os desafios enfrentados. O Brasil possui 1,69 milhão de pessoas que se declaram indígenas, segundo o Censo Demográfico 2022, o que representa 0,89% da população brasileira. A partir de 1991, o IBGE incluiu os indígenas no Censo demográfico. 

Os dados revelaram que Sergipe é o estado com a menor população indígena do Brasil, com 4.710 pessoas, das quais apenas 329 vivem em terras demarcadas. Em Aracaju, são 1.944 pessoas que se declaram indígenas, a maior população do estado, seguida de Nossa Senhora do Socorro (476) e Porto da Folha (432). 

Apesar do baixo índice populacional registrado em 2022, os indígenas são personagens centrais na história de Sergipe, inclusive sendo representados no brasão do estado. A representação é do líder indígena "cacique Serigy", que foi escravizado e assassinado pelos colonizadores portugueses após liderar um processo de resistência contra os invasores. Conheça mais sobre a história dos povos indígenas em Sergipe a seguir! 

 

Sergipe tinha mais de 40 mil indígenas: muitos foram mortos e escravizados 

O nome do estado e da capital também são de origem indígena. Sergipe significa "no rio dos siris" e Aracaju, "cajueiro dos papagaios", ambos em língua tupi. Alguns outros nomes também possuem essa origem, como Siriri, Pacatuba, Muribeca, Japaratuba, Aperipê, Gararu, entre outros. Antes do processo colonizador realizado pelos portugueses, há uma estimativa de que 20 a 40 mil indígenas povoaram o estado. Por exemplo, Antônio Lindivaldo, professor de História na Universidade Federal de Sergipe, durante uma entrevista para um site de mídia independente estadual, explica que eram inúmeros os povoamentos dos primeiros habitantes indígenas na costa sergipana, antes da chegada dos jesuítas. 

Porém, os anos seguintes foram marcados por uma corrida contra os indígenas sergipanos, que moravam em terras boas para pastos, porém representavam um movimento de resistência contra os europeus. Após vários confrontos e elevado poder bélico, os europeus e bandeirantes realizaram ações de escravização dos indígenas, além dos milhares que foram assassinados. 

Itamar Peregrino, comunicador e artesão indígena, explica que "historicamente, fomos expulsos e mortos. Vivemos uma invisibilidade forçada, tanto imposta pelo colonizador quanto como autodefesa para sobreviver. Minha avó, por exemplo, andava com um pano na cabeça para ninguém ver como era o cabelo dela. Essa questão da sociedade nos invisibilizar é para dizer: essa terra não tinha dono. Não havia ninguém aqui." 

 

Povo Fulkaxó conquista terra em Pacatuba após anos de luta 

A 13ª edição do livro "Povos Indígenas no Brasil", do Instituto Socioambiental (ISA), fez um mapeamento das comunidades no período de 2017 a 2022. O trabalho apresentou 266 povos indígenas que vivem no Brasil, falantes de cerca de 160 línguas. Em Sergipe, até o momento, havia somente a comunidade Xokó, em Porto da Folha. 

Porém, em dezembro de 2023, após um pleito de anos da comunidade indígena Fulkaxó, houve a aprovação do Projeto de Lei 534/2023 pela Assembleia Legislativa de Sergipe (Alese), encaminhado pelo Governo do Estado. O documento autorizou o Poder Executivo Estadual a realizar a transferência de duas áreas rurais, de sua propriedade e que integram a Estação de Aquicultura Soloncy Moura, no município de Pacatuba, para onde serão realocados os indígenas da tribo Fulkaxó. Este processo vinha desde 2007, com a reivindicação do território ancestral do povo Fulkaxó. 

 

Apagamento histórico dos indígenas pode encontrar resistência com a educação  

Durante a entrevista concedida para a Câmara de Aracaju, Itamar Peregrino explicou sobre os preconceitos e lutas diárias. "Vivemos o fruto de uma herança, que acha que temos que usar cocar, saber o nome dos peixes e árvores, carregando imagens estereotipadas. Já ouvi muito que sou um índio do Paraguai. Sempre há um questionamento sobre o que é ser indígena neste país. Eu não preciso de cocar para ser indígena. Infelizmente, no Brasil, a gente precisa lutar para ser reconhecido, pela nossa autoafirmação." 

Itamar destacou que a educação é um caminho fundamental, mas que os professores também precisam se atualizar. "O trabalho das escolas é importante no processo educativo, mas também, os professores precisam passar por esse treinamento. Já sofri preconceito indo dar palestras em escolas, por conta de um pensamento estereotipado, com a ideia do que a gente come, ou como a gente vive. Inclusive, já ouvi de uma professora que eu era índio de verdade, pelo fato do meu olho ser mais arredondado. Então, esse é um trabalho árduo. Mas, existem professores nas Universidades Federais que estão tendo consciência e buscam repassar nossa história, contando o outro lado, com outro olhar." 

Por fim, o comunicador e artesão orienta que as pessoas conheçam a história. "Precisamos conhecer nossa história, senão não conheceremos o presente e muito menos o futuro. O nosso Brasil é de terra indígena, terra negra, terra de mestiços. É um país multifacetado, mas que tem uma cultura originária e que não pode ser esquecida. Não se pode conhecer somente uma parte folclórica, mas nossas raízes", finaliza.